22 março, 2005

A voluptuosidade de uma escultura

Jamais pude imaginar a voluptuosidade de uma escultura.


Mas, Rodin é um nome , escrito na história. Pude ver, sentir, pensar, falar, experimentar, degustar e finalmente, escrever, após uma visita a RODIN. Vi que uma escultura pode estabelecer o vocabulário e a gramática de uma época. Palavras livres, soltas ao vento, mornas, ternas, ferozes e quentes.

Não pude olhar o pensador sem pensar em Camille Claudel, para mim um pensamento vivo em Rodin, aliás o único pensamento que pude supor em seu pensar, um homem curvado e ensimesmado, um homem que pesa, esmagado pela presença de uma falta. Impossível olhar o pensador, sem pensar. Tirando disto, um prazer incrível, dada a beleza que fervilha, e eu ali a escutar as esculturas . Palavras que jamais poderão ser insípidas, posto, que o sabor escorre-lhe ao canto, de uma boca, que o próprio Rodin chamou de BOCA DO INFERNO. De um prazer... que não possui valor em moeda, nem em reconhecimento, é o desconhecido a se explicar, pois, prazer de um abandono, de uma entrega. De uma entrega que grita. Como um eco de Rodin, o nome, de Camille Claudel, grita! Sussurra ao ouvido_ amante, amada, abandonada, interna, vencida e sobretudo indestrutível_ seu próprio nome, Camille. Por trás de toda obra de Rodin sussurra uma Camille, louca, sacerdotisa, Mestre, inocente ou sedutora, e mais ainda... Reine-Marie, diz sobre Camille Claudel, algo cujo o adjetivo mais apropriado as suas palavras: é simplesmente, aos meus ouvidos, justas.
"As semelhanças e singularidades de suas esculturas estabelecem o léxico e a gramática de um estilo, e do canto alternado com o imenso Rodin ergue-se o eterno antagonismo das vozes de um homem e uma mulher"

Um instante fecundo, um abandono, um pensamento, O beijo, um Bacanal, um Balsac, um Victor Hugo, um Gênio do Repouso Eterno, um vencido um Torso da Sombra. De um prazer, de um abandono tal, que Camille engendra seu próprio ser. Ser de falta, de carne e osso, de puro osso, duro, di-amante. Numa valsa de bronze que petrifica o ser de Camille e de seu par, um homem e uma mulher, flutuam numa dança que faz inveja a Deus. Dizendo com Lacan que a relação sexual não existe. Apenas no nada deste abandono, e com o qual se entrega um beijo, uma dança, uma parte, um corpo, um gesto, um olhar... um olhar de viés que se deita sobre o nada, ela se insinua como faz uma mulher.

Se deitar ao chão procurando o lugar do olhar do pensador, de nada adianta, pois suas mulheres, são Evas, envergonhadas, escondem o que procuramos . E os homens? Os Homens surgem de vários modos: Aos pedaços, castrados, vencidos, pensativos, partidos, enlaçados a uma mulher, vestido de um roupão a esconder-lhe a falha , atrevido, como mestres.

Camille, num ato de que só se pode chamar, na ignorância, de destruição, eleva ao mais alto, o nome de seu amado e Mestre Rodin, oferecendo como sacrifício a sua obra. Para ultrapassar todos os limites e atravessar-se como fantasma na brecha, no cismo do coração da obra de Rodin. Obra que como O Beijo ou como A Valsa, mistura: corpos, pensamentos e arte, de uma entrega absoluta que faz o ignorante chorar diante de Eu Sou Bela. Quem viu Rodin, certamente quer ver Camille Claudel, não uma Camille devastada, mas a devastação e a ferocidade da delicadeza de sua arte.

(Luciene de Mélo Paz Braga)

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