25 abril, 2005

Have you ever had a dream?


Foto-Lloyd

"Importante e genuino é mesmo o não sentir ou agir em função do resultado de pensamentos demasiadamente calculados". Tu é que dizes que são pensamentos demasiadamente calculados, é uma interpretação tua, provavelmente demasiadamente calculada, diría eu se me interessasse tanto como a ti acreditar nessa treta de distância entre naturalidade e cálculo, inocência ou dúvida podem ser igualmente naturais, penso eu não é... Apenas penso eu...

O questionamento do que nos cerca
(Nathan Octavio D. D. Rodrigues)

"Quando uma pessoa recebe um estímulo sensorial qualquer, o senso comum obriga a sua mente consciente a aceitá-lo como algo absolutamente verdadeiro e inquestionável. A grande maioria das pessoas, quando vê, ouve, cheira, toca ou prova alguma coisa, nunca se pergunta sobre a autenticidade daquelas informações que são passadas ao seu cérebro.

Quando alguém começa a duvidar daquilo que é chamado realidade, é imediatamente visto ou como louco ou como alguém muito mais inteligente que a média. De qualquer forma, é tido como uma pessoa com uma mentalidade impossível de ser alcançada, o que o faz sentir-se, ao mesmo tempo, incompreensível e incompreendido.

São exatamente essas sensações que obrigatoriamente permeiam a vida de um cético: sempre ser considerado alguém com uma visão sobre o mundo muito diferente da maioria. Talvez o que crie esse pensamento questionador na mente de alguém aparentemente comum seja uma situação análoga ao nó Górdio de Alexandre, o Grande: a forma mais fácil de desatar um nó é simplesmente cortá-lo e acabar com a corda que o contém. É isso que faz um cético: sua mente questiona várias informações sensoriais da realidade até que cai em um paradoxo, um “nó cego”, a isosthenia.

Ao chegar a esse ponto, a pessoa tem duas opções: a primeira é jogar essa corda de pensamento em um canto escuro de sua memória e nunca mais tirá-lo de lá; a segunda é cortar essa corda de pressupostos não comprováveis e liberar seu consciente à epoché. A maioria das pessoas prefere a primeira opção e esquecem aquele momento, às vezes, de meros segundos, que poderia ter libertado sua racionalidade do senso comum. Somente uma minoria opta pela segunda e se torna cética.

Essa escolha é repetida no filme The Matrix, onde Morpheus (Morfeu) mostra ao protagonista, Neo, uma pílula azul e uma pílula vermelha e lhe permite escolher: retornar à vida medíocre que tinha como programador ou conhecer toda a realidade fora daquela realidade. Curiosamente, o que seria mais próximo ao que ocorre na mente de um cético é o que consta no script original, onde, ao invés de simplesmente mostrar as opções, ele coloca as pílulas nas mãos de Neo, já que uma pessoa que está prestes a abraçar o ceticismo tem a escolha totalmente em suas mãos. Quando o personagem escolhe se libertar daquilo que está ao seu redor, ele descobre que seu corpo estava preso a uma grande máquina que fornecia a ele e a todas as pessoas as informações sensoriais sobre o que está ao seu redor. Como explica Morpheus: “Like everyone else, you were born into bondage... born into a prison that you cannot smell or taste or touch. A prison for your mind” (Assim como todo mundo, você nasceu num cativeiro... nasceu numa prisão que você não pode cheirar ou provar ou tocar. Uma prisão para sua mente). Assim, Neo assume um pensamento cético quanto a realidade da Matrix, pois descobre que não há nada ali que seja real.

A sensação que atravessa a mente de Neo é constantemente utilizada em outras obras, como por exemplo O Show de Truman: o Show da Vida (The Truman Show), com Jim Carrey, onde o personagem Truman Burbank é o núcleo de um reality-show, onde tudo que ele imagina ser sua cidade natal é um gigantesco estúdio de gravação com centenas de câmeras ocultas, espalhadas de modo a vigiar cada passo do protagonista. Inclusive todos os habitantes da cidade são atores contratados, mesmo os familiares de Truman, e todos seguem as ordens de um diretor megalomaníaco, que determina aquilo que acontecerá na vida do personagem. O único que é uma pessoa de verdade é o protagonista, cujo nome, Truman, é formado pela aglutinação das palavras inglesas true e man, ou seja, “homem de verdade”, “homem real”. Quando ele começa a observar “falhas na realidade”, ele assume um pensamento cético quanto à realidade da sua cidade, pois descobre que não há ninguém ali que seja real.

Os dois protagonistas passam por experiências parecidas ao descobrir que existe um Alguém que domina toda a sua realidade. Porém, antes de tudo, eles são seres humanos completos, tanto psíquica quanto fisicamente. O questionamento de The Matrix, se levado mais adiante, nos leva a questionar inclusive nossa existência física.

Assim, chegamos à idéia de Hilary Putman, onde seríamos unicamente cérebros imersos em grandes aquários de solução nutritiva e manipulados por um cientista que nos dá as informações sensoriais como lhe apraz [KRAUSE, 32]. Assim, nós teríamos inclusive medo de questioná-lo em nosso subconsciente, pois, caso ele detecte isso, poderia simplesmente retirar nossos cérebros de nossos aquários e jogá-los fora.

Se fundirmos essa última perspectiva com a sensação de Truman – a de ser o único humano verdadeiro na realidade –, chegamos a uma idéia ainda mais aterradora, o solipsismo extremo. Não haveria vários cérebros que se inter-relacionassem, mas somente o meu, e todas as outras pessoas seriam meros impulsos elétricos enviados ao meu cérebro, controlados pelo Alguém. O que torna isso mais assustador é que, então nem nada nem ninguém é verdadeiro, só eu sou. Eu.

Todos esses questionamentos sobre a realidade, se levados como verdade, podem levar facilmente alguém ao niilismo. Ou pior: ao pânico e ao auto-isolamento. Isolamento não só da sociedade, como da realidade, como de seus próprios pensamento, seguindo as linhas de raciocínio de Truman, Neo e Putnam, respectivamente.

Mas esse é o pensamento do cético visto pelo senso comum: como alguém que nega tudo que está a sua volta. Não é o ceticismo real, que duvida da realidade, mas não a ponto de negá-la [KRAUSE, 35]. O cético é aquele que questiona o que está ao seu redor, ao mesmo tempo em que questiona a validade do próprio questionamento.

Portanto, o melhor que temos a fazer, para sermos realmente céticos é seguir os conselhos que nos dá Morpheus: “You have to let it all go, Neo. Fear, doubt and disbelief” (Você tem que abandonar tudo isso, Neo. Medo, dúvida e descrença); “Try not to think in the terms of right and wrong” (Tente não pensar em termos de certo e errado).

E não há nada melhor para encerrar um ensaio cético do que um questionamento. E o faremos com um que, ainda que já tenha sido formulado de inúmeras formas, é explicitado em The Matrix como um conjunto de três perguntas: “Have you ever had a dream, Neo, that you were so sure that was real? What if you were unable to wake from that dream? How would you know the difference between the dream world and the real world?” (Você já teve um sonho, Neo, que você tivesse certeza que era real? E se você fosse incapaz de acordar daquele sonho? Como você saberia a diferença entre o mundo do sonho e o mundo real?)"

2 comentários:

Anónimo disse...

(“Todos esses questionamentos sobre a realidade, se levados como verdade, podem levar facilmente alguém ao niilismo. Ou pior: ao pânico”)
Opa, se isto é verdade já tou a ver quem se lixa, e não sou eu não…

Bem, isto das percepções é um nó gordio de facto..
Sem espada, vou cortar a canivete suíço, pode ser? :)
Claro que sim! Passou a ser calculada desde o momento que não me revi naquela treta. Não é real, ou melhor, não cabe na minha realidade. É o meu lado céptico a funcionar sim.
E quando assim é, não me revejo na cena "frankstiniana" da coisa não, activa-se-me é logo a pílula vermelha (que, como sabes, já tenho comigo de outros tempos) e penso, e calculo e reajo... Se não, deixa que arrumava lá no fundo do poço e pronto.
Se calhar porque não sou um céptico com "pedigre"..rs
E não o serei. Não nego tudo.
Acredito que existe amor entre nós, por exemplo. :)

Anónimo disse...

Fico muito feliz em ver que um trabalho meu atravessou o oceano, e foi parar na adorável terra lusitana.
Gostaria de me comunicar com qualquer pessoa que tenha se interessado pelo meu texto. Não importa se tenha concordado ou discordado.
Meu e-mail: nathanoctavio@ibest.com.br