16 abril, 2005

Feminismo

UweSpiller


Às vezes sou apanhada de surpresa por aquela realidade que detesto e que fáz as mulheres dependerem, dependerem até se esgotarem e serem felizes com qualquer coisa que não se vê. Parecem assumir que é preferivel lutar umas com as outras por papéis, apenas por papéis, porque os homens é que lhes são importantes. E saindo do sexo só um pouco para voltar ao sexo mais tarde. Fica qualquer coisa simples sobre o muito que é a luta.



"Às vezes ainda me perguntam porque é que a senhora se mete nessas coisas?" Leonor Beleza solta uma gargalhada fresca, de quem há muito descobriu no humor a melhor forma de enfrentar a opacidade do mundo. Mesmo quando o panorama é, diz, "do foro do escândalo". Refere-se "à ausência das mulheres nos lugares de decisão", visível tanto no Parlamento, do qual foi até há pouco vice-presidente, como nos governos, de que o socialista XVII é paradigma. Uma ausência que é um símbolo para o resto, como é símbolo a indiferença com que parece ser recebida. "Acho que já era tempo de as pessoas perceberem que não é razoável sermos representados de forma tão desproporcionada."

Mas o que parece fazer as vezes de razoabilidade, admite, é a ideia de que o feminismo, entendido na sua acepção mais abrangente como a luta pela igualdade de género, contra os papéis esteriotipados atribuídos aos sexos, é "coisa do passado", algo olhado com desconfiança, perplexidade ou, nas mais das vezes, mofa. As feministas são vistas, precisamente, como mulheres "irrazoáveis", "com problemas", "frustradas", a quem falta "qualquer coisa" - "um homem", como refere, a fazer coro com o riso de Beleza, a escritora e jornalista Maria Teresa Horta, que frisa ser o ridículo a arma mais usada contra esta luta. Há até a ideia, comenta, de que "o feminismo é uma batalha contra os homens".

quotas ou mérito? De certo modo trata-se disso mesmo. Afinal, frisa Beleza, uma das grandes questões da representatividade das mulheres na política - e não só - é que "para elas entrarem alguém tem de sair. E quem está não quer dar o lugar." Ou seja quem tem os privilégios não os quer ceder - é que não é bem a mesma coisa que dar a dianteira às senhoras quando se avizinha uma porta .

Defensora das quotas como mecanismo "temporário de rectificação", a actual presidente da Fundação Champalimaud, um dos nomes grados do PSD em falta nas listas de deputados para as últimas eleições, lamenta a exiguidade feminina na bancada do seu partido. Mas se o PS instaurou quotas e tem mais deputadas, vê no PSD mais facilidade em pôr mulheres a governar, "e em pastas fulcrais, como as Finanças". Como se fosse preciso escolher quotas ou lugares por mérito?

Pergunta envenenada mas implícita na declaração de José Sócrates após apresentar o elenco governativo ao presidente havia escolhido, disse, "os mais competentes, mais capazes e mais motivados". Criando assim nas socialistas um burburinho de indignação mais ou menos contida, de que a deputada do PS e ex-ministra da Igualdade Maria de Belém faz eco, mesmo se começa por apontar como "sinal positivo" o facto de se ter começado a contabilizar o número de mulheres nos governos. "É evidente que gostaria que houvesse mais mulheres. Isso foi oportunamente transmitido por mim e outras pessoas ao agora primeiro-ministro. Que reconhece que ele próprio gostaria de ter mais mulheres no Governo."

Como quem diz não havia. Competência, capacidade, motivação... no feminino. Verdade ou mentira? Afinal, essa é outra das questões inevitáveis nesta discussão. Porque é que há tantas mulheres nas universidades, mais que homens em grande parte dos cursos, e depois rareiam nos topos das carreiras? O que é que as trava?

"Não há mais mulheres nos lugares de notoriedade porque têm mais dificuldade em lá chegar. Porque é muito recente o reconhecimento profissional que se faz delas - são ainda vistas com desconfiança por causa da maternidade -, mas também pela dificuldade em conciliar a vida profissional e a familiar". Um círculo vicioso que, releva Maria de Belém, está longe de constituir originalidade nacional. "É assim em todo o mundo, mas nos países mais desenvolvidos nota-se menos."

Países como os nórdicos, que o actual primeiro-ministro apresenta como modelo, mas também como a Espanha, onde Jose Luis Zapatero, que se afirma feminista, dividiu o Governo ao meio. O que para algumas feministas não será necessariamente o lugar da virtude. Caso da socióloga Maria Filomena Mónica, que se afirma contra as quotas, "porque menorizam", e só tem uma receita "numa fase intermédia, as mulheres têm que ser duas vezes melhores para chegar ao mesmo sítio". Mesmo se há dias, na coluna que assina no Público, escrevia que ser melhor é condição banal e necessária para existir enquanto mulher, sobretudo se for mãe (que, indigna-se a socióloga, é algo quase compulsivo, pois "quem não quer ter filhos é olhada como anormal") "Tem de ser boa no emprego, boa mãe, boa na cama, ter bom aspecto, boa conversa... Ninguém consegue ser bom em tudo isso ao mesmo tempo." Uma multiplicidade de papéis "acrescentados" aos ditos tradicionais de fiel esposa e mãe extremíssima por isso a que se dá o nome de emancipação da mulher.

culpa de quê. "Uma conquista muito suada, mas que veio envenenada", nas palavras da jornalista Paula Moura Pinheiro, outra confessa feminista (porque, como ironiza a escritora e também jornalista Inês Pedrosa, o feminismo "confessa-se"ou"ousa-se"). Uma con- quista que ao seu cortejo de exigências - sem retorno do outro lado, já que os homens, sublinha Mónica, "continuam a arrastar os pés" no que respeita às tarefas domésticas - faz corresponder outras tantas culpabilidades.

Contra as quais a escritora e jornalista Helena Matos assesta baterias. "Todas as transformações sociais, tudo o que sucede à família é assacado às mulheres. De cada vez que se fala de problemas relacionados com o casamento, os jovens, os velhos, lá vem a conversa da 'saída das mulheres de casa'. E eu pergunto quando é que isso aconteceu? As mulheres sempre trabalharam imenso fora de casa. As criadas, as camponesas, as operárias também tinham filhos, dos quais não tinham tempo para cuidar. Quem ficava em casa eram as mulheres ricas." O caminho é então, para Matos, recusar a leitura "ginecológico-obstétrica" das mulheres, que as "prende" ao universo da família, e a ideia de "perfeição" que as próprias se exigem. O que é dizer que, nos países ditos desenvolvidos, as grandes batalhas da guerra pela igualdade se transferiram para dentro: dos corpos, dos olhares, dos sentimentos... das casas.

Leonor Beleza, que no pós-25 de Abril fez parte do processo "de fora", o de endireitar a lei, certifica que esta fase é mais árdua. "Porque vai ao osso das relações entre homens e mulheres. Quando havia discriminação legal, as raparigas não tinham acesso à educação, a taxa de emprego feminino era baixa, era fácil saber o que era preciso fazer."

o sonho e a fúria. Mesmo Maria Teresa Horta, que levou, nos idos de setenta, "uma tareia de três homens por causa das coisas que dizia e dos livros que escrevia", assume o paradoxo de ter sido mais fácil ser feminista nesses tempos cuja esperança é, "vista do futuro, comovente". "Depois", diz a poetisa, "passámos a lidar com o nosso sonho. Que se transformou numa realidade muito dura."

Beleza concorda. O hoje sabe a "desconsolo". Porque "as coisas não mudam, e não só não mudam como pioram". Sem negar o que "se adquiriu", a maioria das feministas portuguesas fala de "retrocesso". E questiona-se sobre o o estigma que as cerca e que Manuela Tavares da União Mulher Alternativa e Resposta, na sua tese de doutoramento sobre os feminismos da segunda metade do século XX em Portugal, está a investigar. "Fiz 800 inquéritos no secundário sobre o que é o feminismo, para tentar perceber a forma como o conceito é visto, e porquê. Pergunto se é uma luta pelos direitos das mulheres; contra os homens; pelos direitos humanos; ultrapassada".

As respostas ao inquérito só estarão tratadas daqui a uns meses. Mas a noção de que o feminismo é "coisa antiga", "um extremismo sem sentido", é comum. Uma perspectiva tanto mais curiosa quanto, de acordo com a maioria das feministas, aqui não terá sequer existido como movimento. "Passámos do pré-feminismo para o pós, sem termos o dito", diz Moura Pinheiro, a encontrar o busílis no défice de literacia, pensamento - "em suma, de civilização" - que diagnostica ao País."Ser civilizado é a conquista progressiva do direito a ser, a não ter de corresponder a categorias comportamentais predefinidas."

O feminismo como luta pela liberdade é também assim que o vê Anabela Rocha, ex-vice-presidente da Opus Gay, que nele inclui o combate dos homossexuais, dos transexuais, de todos os que desafiam os estereótipos de género. Uma luta na qual, revela um estudo recente de Ana Vicente (académica que presidiu à Comissão da Igualdade entre 1992 e 96), as mulheres têm de combater as mulheres: "Elas contribuem para este estado de coisas, claro. Desde logo, na educação diferenciada que dão aos filhos..."

Bem-vinda(o)s à responsabilidade, pois. E à encruzilhada de Paula Moura Pinheiro "Era preciso fazer alguma coisa com esta fúria. Mas o quê?"

-fernanda câncio-

1 comentário:

Anónimo disse...

Resisti mas li...e fd*** pa guerra destas "vaginas oprimidas" burguesas...
Fd*** poh "feminismo de vender jornal".
Desculpa lá mas quando leio estas coisas fico sempre a pensar que está tudo mais interessado em fazer "feminismo" do que fazer qualquer outra coisa.
Fazer o quê?
Olha, já teem o guião, façam o filme... Lésbico!
Sorry!